A meditação

A meditação é um elemento essencial da prática budista, mas não pensem que seja tudo no budismo. A verdade mais profunda que aprendi no templo Ch’an do mosteiro Qi Xia Shan foi que a mente em meditação é a mente de todos os seres sencientes – e essa é a mente de todos os Budas. A meditação é uma porta; o que passa por essa porta é a nossa compaixão pelos outros.

A principal razão que leva as pessoas a abandonar o budismo ou a não obter grande benefício com a sua prática é não terem aprendido como adotar para si próprios o equilíbrio adequado entre a experiência e a compreensão dos ensinamentos do Buda. Como consequência desse desequilíbrio, perdem o entusiasmo e concluem que o Dharma não leva a nada. Ora, não é pleno o entendimento do Dharma que se baseie só nas palavras ou apenas no funcionamento da mente. A finalidade da recitação e da meditação é mostrar que a perceção do Buda Shakyamuni é real. Quando temos essa experiência em meditação, ou quando isso nos inspira na recitação, renovamo-nos e capacitamo-nos a prosseguir no longo processo de introspeção e crescimento moral que é o caminho para a iluminação.

Se sentirem preguiça nos vossos estudos ou tédio com o Dharma, encontrem um lugar adequado para meditar ou procurem uma oportunidade para fazer um retiro. A experiência será transformadora. Com a prática, os benefícios da meditação são rapidamente trazidos à mente. Com a prática, aprendemos a sentir o Buda interior quase sem precisar de o procurar.

Hsing Yün – Excerto do livro Budismo Significados Profundos

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A forma é o vazio e o vazio é a forma

O vazio é a forma

“O mundo parece-nos como um tecido complexo de acontecimentos no qual alternam relações de diversas espécies, sobrepondo-se ou combinando-se, determinando desse modo a teia do conjunto.” – Werner Heisenberg

A vacuidade é um dos temas centrais da filosofia budista. Há mais de 2 500 anos o Buda Shakyamuni soube o que cientistas do século XX começaram a perceber com a descoberta dos quanta. Sidhartha Gautama ensinou que todas as partículas do dharmadhatu refletem todas as outras, dando-nos a entender que todos os fenómenos são interdependentes, sem existência intrínseca, independente e imutável.

O vazio é a forma

“A forma é o vazio e o vazio é a forma.” De facto, se observarmos cuidadosamente, nada é perene e constante. A única constância é a permanente mudança da todos os fenómenos. A natureza dá-nos a todo o momento exemplos de vacuidade para nos lembrar da nossa própria impermanência e a dos fenómenos em geral. A mudança das estações, o nascimento, existência, o definhar e, finalmente, a extinção está inscrito em tudo o que surge a partir do momento em que se revela.

Buddha disse:

“O que nasce vai morrer,
o que foi coletado dispersar-se-á,
o que foi acumulado será esgotado,
o que foi construído desmoronar-se-á,
o que foi glorificado será humilhado.”

 Tudo se anuncia como uma miragem, uma imagem ao espelho que vemos estar lá mas não tem existência em si e por si, não passando de um reflexo, manifestação de uma conjugação de causas e condições e, por isso mesmo, efémera e fluida. Todo o universo, desde a sua “génese”¹, está em permanente fluidez, mudando permanentemente. Os fenómenos manifestam-se fruto de uma cadeia inter-relacional complexa de interdependência.

Embora seja relativamente fácil compreender todo o conceito de vacuidade sob um prisma intelectual, já ter a “visão”, não é tangencial. Apenas através do treino da mente e da meditação contemplativa (shamatha e vipashyana) é possível desenvolver esta “visão”. Ela liberta-nos e faz-nos passar através da porta do quarto estreito da nossa perceção errónea da realidade para o infinito que é o nosso estado primordial, livre de conceptualismos e visões dualistas.

“É um esforço fundamental do budismo não apenas enquanto contributo para o saber, mas também enquanto prática de transformação pessoal. A análise que leva à compreensão da vacuidade pode parecer, à primeira vista, muito intelectual, mas a concretização do que dela deriva liberta-nos das nossas prisões e traz consigo profundas repercussões na maneira como interpretamos a nossa existência.” – Mathieu Rickard

Vemos todos os fenómenos sob uma perspetiva dualista de sujeito-objeto: “eu” e os “outros”, bom e mau, agradável-desagradável.

“Quando há consciência de si, há consciência do outro.
De nós e do outro nascem apego e repulsa,
E da combinação dos dois
Derivam todos os males.”
– Dharmakirti –

Ambos os estados das coisas existem numa realidade relativa mas fundem-se na realidade absoluta das coisas, no nirvana, a sua verdadeira natureza. Vemos os fenómenos de forma “cristalizada”, não percebendo que são apenas manifestações de uma interdependência extremamente complexa de causas e condições, miragens ilusórias projetadas pela nossa própria mente sobre os fenómenos. É por esse erro fundamental de interpretação que nos fechamos num casulo apertado que nos sufoca. Apertamos nós mesmos a gravata em torno da nossa garganta e nem sequer o percebemos.

Quando, fruto do estudo, da contemplação e do treino, finalmente nos libertamos para o sem-fim do dharmakaya percebemos que não existe “eu” nem “outro”, nem belo nem feio, nem bom nem mau. Percebemos que o “eu” será, quanto muito, uma forma severamente simplista de descrever o todo. Somos todos um, e todos somos unos com o universo. Somos “pó de estrelas”. A mesma matéria que surgiu no Big Bang está presente em todos e tudo permeia.

Entende todas as coisas como sendo assim:
uma miragem, um castelo nas nuvens,
um sonho, uma aparição,
sem essência, mas com qualidades que podem ser vistas.

Entende todas as coisas como sendo assim:
como a lua num céu brilhante
em algum lago calmo refletida,
ainda que para o lago a lua nunca se tenha movido.

Entende todas as coisas como sendo assim:
como um eco que deriva
da música, sons e choro,
nesse eco não há melodia.

Entende todas as coisas como sendo assim:
Tal como um mágico faz ilusões
De cavalos, touros, gatos e outras coisas,
Nada é como aparenta ser.

– Buddha –

  ¹ – “génese” é apenas um recurso linguístico como referência ao Big Bang. Do ponto de vista budista o universo, tal como a existência, não tem princípio nem fim. Se tudo é uma relação complexa de causa e efeito não pode existir uma causa prima, origem de tudo.

A mente é a fonte de todas as coisas

“O que é apego? Estar apegado significa estar agarrado aos nossos pensamentos. É acreditar que todas as coisas existem efetivamente como a nossa mente condicionada as perceciona. Apegamo-nos continuamente a crenças e criamos divisões artificiais. Decidimos que algumas coisas são invariavelmente boas e outras não. Este apego a conceitos é fundamentado na presunção de permanência. Embora todos os fenómenos estejam em permanente mudança a mente projeta uma imagem fixa e agarra-se a ela, assumindo que as coisas são de determinada maneira sempre. Esta tentativa de ver o mundo da forma como gostaríamos que fosse e cristalização dessa imagem é referido como “apego ao ego”. Aprisionados por apegos, ignoramos oportunidades de nos libertarmos e crescer.

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Estar confinado a um quarto pequeno sem espaço para nos movermos para trás ou para a frente cria um retraimento no corpo. Quando queremos mudar de posição não temos espaço, portanto sofremos. Movemo-nos um pouco para um lado mas é desconfortável na mesma. Sofremos a cada movimento, porque os nossos movimentos são constringidos. Este é o efeito que o “apego ao ego” e a avidez têm tanto no corpo como na mente. Criamos um espaço diminuto e esconso para nós e para os outros por reprimirmos o amor e a compaixão. O apego ao ego, a avidez e o pensamento dualista tornam-nos limitados e defensivos de tal forma que transmitimos essas qualidades aos outros, tornando toda a gente desconfortável.

A porta deste estreito quarto está totalmente aberta, mas se não passamos por ela pode muito bem permanecer trancada e sofreremos essas limitações. Quando abrimos o nosso coração e mente e amamos todos os seres de igual forma, libertamo-nos para o infinito, a realidade para além de todos os limites conceptuais, a natureza original e primordial da mente que é eternamente aberta e livre. Ao abrir mão do apego ao ego, estamos meramente a retornar à natureza primordial tal como é e sempre foi e será.

Ao acarinhar noções dualistas como bem e mal absolutos, desenvolvemos inconscientemente esperanças e medos que conduzem a ciclos emocionais de exaltação e depressão. Evitamos o que não gostamos e assumimos que existe algo de bom a que nos devemos ligar (apegar) e no qual devemos depositar as nossas esperanças. Se estes pressupostos não forem incontestados, a esperança e o medo podem destruir a nossa visão dos fenómenos e destruir-nos. Perdemos o nosso poder e verdadeira identidade sob a sua influência. Onde são originados as esperanças e os medos? Numa mente dividida por conceitos dualistas. A mente é a principal fonte de tudo.”

Este pequeno texto foi extraído do comentário do Venerável Khenchen Palden Sherab Rinpoche aos “Ensinamentos sobre as deidades iradas e pacíficas”. Para mais informação queiram pesquisar este título na Internet. Outras palavras-chave: Zhi-Khro

O Budismo, que é apenas um conceito em si, define os ensinamentos de Buddha e torna-os tangíveis para as nossas mentes conceptualistas ajudando-nos a definir a via para a libertação do samsara, o ciclo interminável de nascimento e morte fundamentado na ignorância.

Tangível mas não imediato uma vez que para os entender verdadeiramente é preciso estudar, contemplar e meditar. O estudo é a fonte da sabedoria, a contemplação consiste na reflexão contemplativa dos ensinamentos e a meditação a abertura da Visão que leva à libertação.

Uma boa forma de contemplar os ensinamentos é observar as nossas próprias vidas e os estados mentais que originaram os acontecimentos que mais nos marcaram. Ao contemplar este excerto é praticamente impossível não rever acontecimentos das nossas vidas que foram marcantes. Uns que queremos evitar a todo o custo, outros que gostaríamos de repetir. Outra forma é contemplar o nosso estado mental nas pequenas coisas. Por exemplo, quando vemos um bolo delicioso num expositor de uma pastelaria qual é o estado emocional que nos assalta? O desejo de o ingerir, de sentir aqueles sabores intensos no na boca, de colocar as papilas gustativas em êxtase. Chegamos a salivar só com essa perspetiva. Não é assim? Se não resistimos e entramos na pastelaria, assim que metemos o bolo na boca e sentimos as sensações que conhecemos e queremos reviver, logo surge o medo de que todas estas sensações acabem pois percecionamos o bolo como algo finito. Quando o bolo efetivamente acaba ainda queremos repetir. Sabe sempre a pouco. É claro que este é apenas um exemplo e nem toda a gente morre de amores por pastelaria fina. Mas os seus processos mentais são exatamente os mesmos com as coisas em que depositam as suas esperanças e medos.

Desejo que este pequeno bolo vos abra o apetite para o Dharma. Quando se prova com uma mente aberta é como o bolo…queremos mais. A grande vantagem é que não é prejudicial para a saúde, torna a mente mais clara, melhora as nossas vidas e as dos outros. A mente é a fonte de todas as coisas.

Que todos os seres venham a possuir a felicidade e a causa da felicidade,
Que possam libertar-se do sofrimento e da causa do sofrimento,
Que possam nunca se separar da felicidade que é ausente de dor,
Que possam permanecer na incomensurável equanimidade que é livre do apego aos próximos e aversão aos outros.

Post by Luís Jordão

Os quatro selos do Dharma

humSe existem conceitos com extrema relevância no budismo este é um deles, Os quatro selos do Dharma.

Os quatro selos são indubitavelmente a entidade da via ensinada por Siddhartha Gautama, o Buda.

O Budismo é frequentemente visto como uma filosofia e não como uma via espiritual, derivado a sua abrangência e profundidade. O Buda ensinou os quatro selos como forma de o caracterizar, e de o olharmos com objetividade:

Primeiro selo – Impermanência (Anitya) – todos os fenómenos são compostos, tudo o que é composto é impermanente e encontra-se em constante mutação A única coisa que não muda é a própria mudança, quer queiramos quer não.

Segundo selo – Ausência de individualidade, “não eu” (Anatman)– todos os fenómenos são desprovidos de uma existência intrínseca e dependem de causas e condições para se manifestarem. O suposto “eu” nada mais é que um conjunto de partes em constante metamorfose e isto não acontece simplesmente com os seres sencientes, aplica-se a todos os fenómenos.

Terceiro selo – Todas as emoções são sofrimento (Dukkha) – aceitamos que emoções como a raiva e o ciúme, são sofrimento. Mas o que dizer do amor e do carinho, da bondade e da devoção? Não as encaramos como sendo sofrimento. No entanto, as emoções implicam dualidade, o que cria sofrimento. Emoções como a dor e a raiva são na verdade apenas o amadurecimento de emoções mais subtis, surgem no final de um processo. A causa é a verdadeira emoção, a mente dualista, e isso inclui todos os pensamentos que temos. Se gostamos logo surge o medo de perder e, logo, o sofrimento. Apegamo-nos e queremos repetir vezes sem conta as boas experiências numa tentativa vã de as perpetuar; se não gostamos logo surge o medo de voltar a ter essa experiência e tudo fazemos para que não se repita apenas conseguindo nestes dois processos perpetuar o sofrimento.

Quarto selo- Nirvāna- palavra do sânscrito para designar ausência de sofrimento, de insatisfação, de aniquilação, de mal-estar e de obscurecimento. A ausência de tudo isto é a paz suprema que existe e sempre existiu em cada um de nós. Descobri-la é o caminho.

Todas estas quatro partes conhecidas como selos são transversais a todas as 3 vias ou escolas budistas pois, são o cunho, o timbre, o carimbo e próprio bilhete de identidade do Dharma.

Passamos por esta vida considerando que a nossa individualidade e o mundo são entidades sólidas, estáveis e duradouras, permanentes apesar das constantes evidências de que tudo está sujeito ao surgimento, à mudança e à cessação. Assumimos que temos direito ao prazer, e tudo fazemos para o garantir e intensificar com um fervor que não é ameaçado pelos repetidos encontros com a dor, o desapontamento e a frustração, enfim, o sofrimento (dhukka). Percecionamo-nos como egos delimitados, apegando-nos às várias ideias e imagens que formamos de nós mesmos como uma identidade indiscutível e verdadeira. Tomamos todas as decisões fundamentados nessa visão ignorante perpetuando a nossa viagem pelo samsara.

Como alcançar a felicidade

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“Para começar, podemos dividir todo o tipo de felicidade e sofrimento em duas categorias principais: mental e física.

Das duas, é a mente que exerce a maior influência. A menos que estejamos gravemente doentes ou privados das nossas necessidades básicas, a condição física representa um papel secundário na vida.

Se o corpo está satisfeito é praticamente ignorado. A mente, entretanto, regista cada evento, por mais pequeno que seja. Por isso, devemos devotar os nossos mais sérios esforços à produção da paz mental.

A partir da minha própria limitada experiência, descobri que o mais alto grau de tranquilidade interior vem do desenvolvimento do amor e da compaixão. Quanto mais nos ocuparmos com a felicidade alheia, maior se tornará a nossa sensação de bem-estar.

O cultivo de sentimentos amorosos, calorosos e próximos para com os outros automaticamente descansa a mente. Isto ajuda a remover quaisquer temores ou inseguranças que possamos ter e dá-nos força para enfrentar quaisquer obstáculos que encontramos.

É a principal fonte de sucesso na vida. Enquanto vivemos neste mundo estamos destinados a encontrar problemas. Se, nessas ocasiões, perdemos a esperança e a coragem, diminuímos a habilidade de encarar as dificuldades. Se, por outro lado, nos lembramos que não se trata apenas de nós, mas, que todos têm de passar pelo sofrimento, esta perspetiva mais realista aumentará a nossa capacidade e determinação para sobrepujarmos os problemas.

Na verdade, com esta atitude, cada novo obstáculo pode ser encarado como uma valiosa oportunidade de aprimorar a nossa mente! Desse modo, podemos gradualmente esforçar-nos para nos tornarmos mais compassivos, ou seja, podemos desenvolver tanto a genuína empatia pelo sofrimento dos outros, quanto a vontade de ajudar a remover a sua dor.

Como resultado, crescerá a nossa serenidade e força interior.”

S. S. Dalai Lama