Elementos de existência

Os elementos da existência (dharmas) são aparências momentâneas, vislumbres momentâneos do mundo fenoménico provenientes de uma fonte desconhecida. Tal como são separados, digamos assim, em extensão, não estando interligados por nenhuma substância que tudo permeia, estão também separados em profundidade e em duração, uma vez que prevalecem apenas por um momento (kşana). Desaparecem assim que aparecem, para serem seguidos no momento seguinte por outra existência momentânea. Assim, um momento torna-se sinónimo de um elemento (dharma), dois momentos são dois elementos distintos. Um elemento torna-se, então, algo com um ponto no espaço-tempo. … Consequentemente, os elementos não mudam, mas desaparecem, o mundo torna-se uma sala de cinema. O desaparecimento é a própria essência da existência; o que não desaparece não existe. Uma causa para os Budistas não é uma causa real mas um momento precedente, o qual da mesma forma surgiu do nada para desaparecer no nada.

(Stcherbatsky, 1956)

Fonte: The Buddhist Unconscious – The ālaya-vijñāna in the context of Indian Buddhist thought – William S. Waldron

Dharmas são os tijolos do mundo de fenómenos em que prevalecemos temporariamente em permanente mudança. De facto, todo o mundo de fenómenos é construído nestes tijolos momentâneos que surgem do nada e se desvanecem em nada para dar lugar a outro dharma.

A duração da nossa vida ilusória não é mais que o somatório de dharmas sucessivos e concomitantes que surgem e desaparecem numa sucessão que não nos é percetível. Mudamos a cada momento, alterando as características físicas e psicológicas (ālaya) a cada instante. Amanhã acordaremos e não somos o mesmo que eramos ontem. Essa entidade desapareceu no nada para sempre, restando apenas a memória de algo que fomos e de acontecimentos que fabricámos na nossa mente. Um dharma ou dharmas concomitantes não são, assim, a causa de outro(s) dharma(s) mas apenas estabelecem as condições em que esse(s) dharma(s) se manifestará(ão), estabelecendo uma corrente espácio-temporal na qual existimos – e os fenómenos – enquanto as causas e condições não se alterem significativamente e nos façam desintegrar nos triliões de dharmas  que condicionam e sustentam a nossa existência neste plano.

A conclusão lógica é que somos vazios de existência intrínseca. Somos apenas uma manifestação momentânea e karmicamente condicionada de um conjunto de dharmas evanescentes. Escrevo estas linhas e por cada letra que escrevo já não sou o mesmo que escreveu a anterior. Mudo permanentemente assumindo nova existência a cada momento.

Apenas numa coisa sou perene e permanente: na minha mente primordial, a mente búdica. Acredito nisto mas não o vejo. Obscurecimentos acumulados por milhões de existências e tendências habituais profundamente instaladas na minha corrente mental não me deixam ver. Que pena! A budeidade deve ser algo de maravilhoso.