Orador: Venerável Zhixing
Templo Fo Guang Shan Hsi Lai
I. Introdução: Sofrimento no Budismo
Saudações auspiciosas aos amigos de todo o mundo! Sou a Venerável Zhixing do Templo Fo Guang Shan Hsi Lai em Los Angeles, Estados Unidos. Obrigado por se juntarem ao nosso serviço online de Dharma em inglês. É bom partilhar o Dharma convosco outra vez.
Quando aprendemos mais sobre o budismo, podemos notar que o budismo fala muito sobre o sofrimento. Fala de todos os tipos de sofrimento que temos, seja envelhecer, ficar doente, morrer e assim por diante. Algumas pessoas pensam que é muito pessimista e negativo. No entanto, não é esse o caso. O Buddha disse uma vez: “Tudo o que ensino é sofrimento e fim do sofrimento.” O que o Buddha enfatiza mais é o fim do sofrimento. Contou às pessoas sobre o sofrimento primeiro porque nos ajuda a reconhecer os vários tipos de sofrimento na nossa vida. Ao vê-los e ao aprender sobre eles, ficaríamos inspirados a seguir o ensinamento do Buddha para acabar com estes sofrimentos. Se demorarmos algum tempo e fizermos uma auto-reflexão, todos nós temos a natureza inata para nos livrarmos do sofrimento e encontrarmos a felicidade, embora satisfazer os nossos desejos seja felicidade real ou não é outra questão que teremos de analisar.
Há 2.500 anos, o Príncipe Siddhartha fez o mesmo. Viu o sofrimento da velhice, doença e morte. Isto inspirou-o a sair do palácio e foi em busca de encontrar formas de sair deste sofrimento. Por fim, alcançou a iluminação sob a árvore bodhi, percebeu a verdade do universo, e tornou-se o Buddha – o desperto.
A partir da história do Buddha, também podemos obter um vislumbre do que é o budismo. O qual, é basicamente sobre sofrimento e fim do sofrimento. Isto também é claramente demonstrado pelo facto de que o primeiro ensinamento que Buddha transmitiu aos seus discípulos foram as Quatro Nobres Verdades:
(1) sofrimento
(2) causas de sofrimento
(3) cessação do sofrimento
(4) caminho para a cessação do sofrimento.
Como um médico, o Buddha falou-nos primeiro da doença da qual sofremos. Em seguida, fez um diagnóstico da doença que temos e disse-nos qual a sua a causa. Depois, prescreveu-nos o medicamento para que possamos ser libertados da doença.
II. Primeira Nobre Verdade: Sofrimento
A primeira verdade, dukkha, é geralmente traduzida como sofrimento, mas o sofrimento é apenas um dos aspetos desta palavra. Não significa apenas dor física, mas sofrimento mental também.
Todos enfrentamos vários sofrimentos na nossa vida ou os vemos à nossa volta. Todos temos de encarar o facto de que estamos a envelhecer a cada dia. Quando somos velhos, enfrentamos o facto de que a nossa vida é um dia mais curta. Durante a pandemia COVID-19, todos vimos que mais de 12 milhões de pessoas sofreram desta doença, e mais de quinhentos e sessenta mil pessoas morreram dela. Vemos notícias de pessoas mortas por homicídio, da pandemia e vemos a morte da nossa família e amigos. Podemos ficar desapontados e zangados por não conseguirmos o que queremos ou podemos estar zangados e frustrados por termos de trabalhar com alguém de quem não gostamos ou alguém que nos incomoda. Podemos estar stressados com as mudanças inevitáveis na nossa vida.
Deixem-me perguntar: têm sofrimento na vossa vida? Sabem que têm sofrido na sua vida? Para procurar a felicidade final e eliminar todos as impurezas da vida, é muito importante que conheçamos o sofrimento da nossa vida, para que estejamos motivados a mudar. Se não soubermos que temos sofrimentos em nossa vida, nem começaremos a jornada espiritual para cultivar em primeiro lugar. Temos tendência a desviar as nossas atenções do nosso problema, ou a não querer enfrentá-las. Acreditamos que a vida pode continuar como sempre. As coisas más vão desaparecer. Ou podemos apenas pensar em coisas que nos dão felicidade a curto prazo, seja numa festa de churrasco, sair com amigos, ver um filme ou viajar. O venerável Mestre Hsing Yun disse-nos uma vez que precisamos de saber as impurezas, aflições e sofrimentos que temos. Temos de estar atentos a eles antes de começarmos a mudar.
III. Segunda Nobre Verdade: Causa do Sofrimento
A segunda nobre verdade é a causa do sofrimento. A maior parte do tempo, quando tentamos identificar a causa do nosso stress ou mácula, tendemos a pensar que é por causa de outras pessoas ou de condições externas. É alguém que me dá problemas. É o ambiente. O nosso dedo parece sempre apontar para os outros, mas não para nós mesmos.
No entanto, o Buddha disse-nos o contrário. Ele disse-nos que a raiz do sofrimento reside na nossa “sede” ou que chamamos o nosso desejo. Noutras palavras, o forte desejo ou desejo na nossa mente é a condição principal para o sofrimento. Este desejo também é chamado de “sede insaciável” porque estes desejos nunca podem ser satisfeitos. Temos muitos desejos na nossa vida. Podemos gostar de ver coisas bonitas, ou ouvir sons bonitos, cheirar boas fragrância, provar comidas ou bebidas deliciosas, ou desfrutar de um toque macio e suave. As pessoas podem entrar em conflitos, lutar ou cometer atos prejudiciais para tentar adquirir estes objetos sensuais. Ficamos felizes se os conseguirmos com sucesso. No entanto, a raiva e a aversão surgem quando falhamos. O nosso desejo baseia-se na nossa ignorância, não vendo o mundo como realmente é, mas o que pensamos que é. Noutras palavras, a causa do nosso sofrimento é a nossa ganância, raiva e ignorância.
IV. Terceira Nobre Verdade: Cessação do Sofrimento
A terceira nobre verdade é conhecida como a cessação do sofrimento. É um estado de espírito sem ganância, raiva e ignorância. É o fim do sofrimento, do descontentamento, da angústia e da tristeza. É um estado de total liberdade dos apegos e de todas as causas do sofrimento. Assim, também é chamado de desvinculação. Por que somos livres e desvinculamos? É porque percebemos a verdade profunda. Vemos o mundo e todas as condições como realmente são, portanto, não estamos ligados a eles. Isto põe fim à nossa ânsia. A cessação do sofrimento também é por vezes chamada de “extinguir o fogo”: o fogo da luta, da resistência, da raiva, da aversão e das tentativas de satisfazer os nossos desejos intermináveis.
V. Quarta Nobre Verdade: O Caminho para a Cessação do Sofrimento
Agora que sabemos que é possível libertarmo-nos do sofrimento, ficamos inspirados a seguir o caminho que nos leva a esse objetivo. Esta é a quarta nobre verdade – o caminho para a cessação do sofrimento. Este caminho é também um caminho percorrido por todos os Budas no passado. Chama-se o Nobre Caminho Óctuplo. São eles:
(1) Compreensão correcta
(2) Pensamento correcto
(3) Palavra correcta
(4) Acção correcta
(5) Meio de Vida correcto
(6) Esforço correcto
(7) Atenção correcta
(8) Concentração correcta
Não são oito treinos separados, mas são como uma tapeçaria que está entrelaçada na nossa vida. O Buddha disse-nos que “a nossa mente é como o pintor que pode pintar o nosso mundo e criar tudo.” Temos o poder de criar o nosso próprio mundo, seja caótico ou pacífico. Em que tipo de mundo queremos viver? Às vezes, escolhemos fazer coisas que nos possam dar felicidade temporária, mas que nos deixam sofrer depois, como beber, fumar ou jogar. Outras pessoas podem jogar jogos online para desviar a sua atenção dos problemas da sua vida. Sabemos que não é bom para nós, mas não podemos evitar. Por conseguinte, a questão aqui não é realmente sobre se somos capazes de nos libertar da dor e do sofrimento, mas sim se queremos realmente libertar-nos. O Buddha disse-nos o caminho para a cessação do sofrimento. Só precisamos de ser determinados e praticar.
VI. Aplicação das Quatro Nobres Verdades na Vida Quotidiana
Como podemos aplicar as quatro nobres verdades na nossa vida? Podemos aplicar este ensino sempre que encontramos problemas na nossa vida, seja uma questão externa ou aflições na nossa mente.
Utilizemos o problema da raiva como exemplo. Quando as coisas não correm de acordo com o que queremos ou não estão de acordo com os planos ou quando surge uma situação inesperada, ficamos facilmente chateados ou zangados. Há pessoas que ficam zangadas mais facilmente comparadas com outras. Quando nos zangamos, agimos irracionalmente sem pensar nas consequências. Podemos dizer coisas ou fazer coisas de que nos arrependemos mais tarde. Em casos graves, pode causar danos a outros, criar conflito com os outros ou até levar à perda do nosso emprego. No entanto, não conseguimos controlar a nossa emoção neste momento, apesar de sabermos que está errada. Este é o sofrimento de ter problemas em gerir a nossa raiva. As causas de todo este sofrimento, obviamente, devem-se à nossa raiva. O nosso objetivo final é sermos capazes de manter a equanimidade em todos os momentos. Só podemos ver toda a situação com clareza com uma mente calma e pacífica.
Agora a questão é, como é que vamos atingir este objetivo e sermos capazes de gerir a nossa emoção? O venerável Mestre Hsing Yun disse-nos uma vez que para gerir melhor a nossa emoção, especialmente a raiva, são precisos vários passos:
1. Não reagir à nossa raiva
Quando sabemos que temos problemas em gerir a nossa raiva, temos primeiro de nos lembrar de não reagir à raiva no momento em que esta surge. Podemos ainda parecer muito zangados, mas dizemos a nós mesmos para não falarmos ou não agirmos. Este é o primeiro passo. Leva tempo apenas para alcançar este primeiro passo, porque muitas vezes reagimos apenas à nossa emoção antes de pensar.
2. Não reagir e não mostrar raiva no nosso rosto
Uma vez que possamos controlar a nossa ação e a nossa fala, o próximo passo é dizer a nós mesmos para não mostrarmos raiva na nossa cara, mesmo que ainda estejamos muito zangados. Assim, neste segundo passo, podemos ainda estar zangados na nossa mente, mas não o mostramos na nossa expressão e não reagimos a isso.
3. Não ficar zangado em primeiro lugar
Uma vez que tenhamos sucesso, o último passo é não ficarmos zangados. Somos capazes de lidar com a situação com calma e clareza. O ponto-chave para trabalhar em cada um destes passos é, na verdade, manter a atenção correcta. Isto significa é que estamos sempre atentos aos nossos pensamentos e sentimentos. Só se estivermos atentos aos sentimentos que temos é que seremos capazes de nos lembrar de não reagir.
Podemos treinar este sentimento de atenção plena através da prática diária de meditação. Podemos achar difícil encaixar a prática na nossa agenda preenchida. Pode-se começar por meditar, focando-se na nossa respiração, 10 minutos antes de ir para a cama ou ao acordar de manhã.
4. Descobrir as causas da nossa raiva
Outra forma para nos ajudar a acalmar a nossa raiva é descobrir as causas da nossa raiva. A raiva não surge do nada. Há sempre uma razão para nos zangarmos. Pode ser porque estamos a ser injustiçados, ou porque não conseguimos o que queremos ou por causa de uma falha de comunicação.
Recentemente, alguém partilhou um desenho comigo. No desenho estava um homem deitado na beira de um penhasco a tentar puxar a namorada que está pendurada nesse penhasco. No entanto, o homem ficou preso sob uma enorme pedra que estava nas suas costas. Na parede do penhasco, uma cobra venenosa sibilava para a namorada. O homem estava zangado com a namorada por esta não o tentar alcançar e escalar o penhasco. A mulher estava zangada com o namorado por não tentar puxar com mais força. Ambos viram só o que estava à sua frente e não viram o que o outro estava a enfrentar. Assim, surgiu um mal-entendido.
Podemos pensar que são tolos. No entanto, quantas vezes isto acontece na nossa relação com os outros. Porque não entendemos o porque do comportamento dos outros ou de onde vêm ou porque pensam de tal maneira, acreditamos facilmente no que vemos ou no que ouvimos e zangamo-nos com eles. Se estas são as causas da nossa raiva, então devemos aprender a mudar a nossa perspectiva, aprender a pensar do ponto de vista dos outros e a tentar entender de onde vêm. Algum dia, se entendermos e nos pusermos no lugar deles, seremos capazes de esquecer a nossa raiva.
Da próxima vez que ficarem zangados, tristes, frustrados, tentem identificar as causas disso, as que os fazem sentir-se assim. Assim que identificar as causas, tentem encontrar uma solução para resolver o problema. Muitas vezes, podem descobrir que é realmente sobre mudança de perspetiva.
Identificar o problema
Descobrir as causas do problema
Encontrar uma solução para resolver o problema
Pôr em prática a solução
Por último, mas não menos importante, obrigado por se juntarem a nós nesta sessão de cultivo. Que Budas e Bodhisattvas abençoem todos com felicidade e paz. Que todos estejam seguros e bem. Omituofo.
Tradução: Eduardo Patriarca